Polêmicas do programa Ciências sem Fronteiras

ciencia-sem-fronteirasQuando escolhi a Austrália para fazer meu intercâmbio, decidi que ficaria o mais longe possível de brasileiros. Lógico que apenas cinco meses de estadia não seriam suficientes para aprender tudo, então me isolar dos “brazucas” seria ideal para, ao menos, ser forçada a só falar o inglês. Mesmo estendendo o visto para mais seis meses eu cumpri a minha cota de distanciamento. Vi bem poucos brasileiros e mesmo com estes não tive muito contato.

Elegi Melbourne como a cidade perfeita para mim justamente porque sabia que a maioria dos intercambistas brasileiros prefere Sydney, Gold Coast ou Brisbane.

Depois de alguns meses em Melbourne comecei a escutar mais o português nas ruas, e foi então que descobri que o governo federal havia enviado para lá muitos brasileiros através do programa Ciências sem Fronteiras.

Este programa funciona como um intercâmbio incentivado, em que os alunos das universidades brasileiras devem se cadastrar para concorrer a uma bolsa no exterior (por seis meses ou um ano). No entanto, apenas algumas áreas são contempladas, em sua maioria segmentos voltados para a área de exatas ou tecnológicas como: Engenharia (todas as áreas); Ciências Exatas e da Terra; Biologia, Ciências Biomédicas e da Saúde; Computação e Tecnologias da Informação; Tecnologia Aeroespacial; Fármacos e outros (veja a lista completa aqui).

O programa beneficia estudantes de todos os níveis acadêmicos, desde a graduação até o pós-doutorado. Alguns requisitos devem ser levados em consideração:

– Ser brasileiro nato ou naturalizado;
– Estar regularmente matriculado em instituição de ensino superior no Brasil em cursos relacionados às áreas prioritárias do Ciência sem Fronteiras;
– Ter sido classificado com nota do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – com no mínimo 600 pontos;
– Possuir bom desempenho acadêmico;
– Ter concluído 20% do currículo previsto para o curso de graduação.

Um estudante de graduação, por exemplo, recebe, além da mensalidade paga pelo governo, o valor mensal de AU$ 1.300,00, fora ajuda de custos com passagens e realocação.

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Bolsistas do Programa Ciência sem Fronteiras que completaram seus estudos na University of Western Australia (UWA) em 2013

Sou a favor da concessão de bolsa para o estudo. (Meu mestrado, aqui no Brasil, foi apoiado pela bolsa Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Mas, para colocar um pouco de lenha na fogueira, alguns brasileiros jogaram essa oportunidade única no lixo. Muitos estudantes que deveriam viajar a Portugal para o intercâmbio, acabaram sendo redirecionados para a Austrália, já que o país europeu restringiu a entrada de estrangeiros em um momento de economia frágil, além do MEC preferir estimular o aprendizado de uma segunda língua. Assim, os brasileiros que não dominavam o inglês tiveram, adicionalmente, um curso de seis meses na Austrália, também custeado pelo governo.

O que vi, enquanto estive por lá, nos raros momentos em que frequentei baladas e bares, foi que muitos brasileiros aproveitaram o tempo por lá para se divertirem. Não que eles precisem ficar enclausurados estudando 24 horas por dia, e até porque o intercâmbio cultural também é forma de aprendizado. Mas o propósito principal do programa Ciências Sem Fronteiras é o estudo e a troca de conhecimento científico.

Muitos desses bolsistas aproveitavam todo o tempo livre e fins de semana para curtir festas e viajar pela Austrália inteira, oportunidade que tive apenas no último mês em que estive por lá, já que, no meu caso, tive que me matar para custear minha estadia.

Além disso, os brasileiros se reuniam em grupos e só se comunicavam em português, sem praticar o idioma de lá. Como consequência, alguns não passaram nas provas de ingresso para as universidades australianas e tiveram que retornar ao Brasil.

O resultado disso foi que o programa acabou se tornando, para essas pessoas, um período de férias com tudo pago pelo governo federal. E, mesmo para essas pessoas, isso não foi uma vantagem. Tivessem se dedicado um pouco mais nesse primeiro momento, teriam ingressado em uma das ótimas universidades australianas, e teriam, consequentemente, muito mais tempo para conhecer e aproveitar as maravilhas da Austrália, além de incrementarem muito suas chances profissionais.

Apesar de apenas 30 estudantes, de um total de 3.500, terem retornado ao Brasil por esse motivo, surgiram muitas críticas negativas nas comunidades de brasileiros na Austrália.

Esse caso aconteceu em abril de 2014 e depois desse episódio nenhum outro brasileiro teve que voltar. Mas algumas reflexões podem ser feitas. De minha parte, destaco duas opiniões:
1 – O Brasil deveria investir mais na educação de uma segunda língua já no ensino fundamental, para preparar melhor nossos jovens e futuros profissionais, independentemente do intercâmbio;
2 – Os agraciados com a bolsa aqui mencionada deveriam valorizar mais a oportunidade  incrível que tiveram. Isso demonstra que o sucesso depende não apenas dos méritos de conhecimento que esses jovens tiveram aqui no Brasil, mas também do preparo pedagógico e da dedicação. De uma visão de longo prazo.

Posso ser apenas uma brasileira com uma opinião controversa, até por minha dificuldade de ver gente desperdiçando uma oportunidade dessas, que muitas pessoas precisam se sacrificar muito para ter, ou que nunca terão na vida.
Alguém concorda?

2 thoughts on “Polêmicas do programa Ciências sem Fronteiras

    • Joilson, não tem porque eu ter inveja. Se você leu o texto completo, viu que eu já recebi uma bolsa do governo federal quando eu estava fazendo o meu mestrado. Além disso, eu já fui para Austrália, não tem motivos para invejar ninguém. Apenas coloquei a minha mais sincera opinião porque não são todos que sabem aproveitar oportunidades.

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